Esse é grande...mas acho que vale a pena ler até o final.A vida anda muito fácil de sete anos pra cá. Por mais incoerente e paradoxal seja, há uma banalização profunda quanto ao modo de viver da sociedade. Não existe uma grande causa, não existem conflitos nesse país. Somos cegos, mudos e surdos em busca de uma resposta deitados na cama, zapeando os canais. E que canais são esses, que servem pra promover a imagem de zés-ninguém em que o objetivo primordial é apenas a fama e mais nada? Antes a celebridade tinha um custo que era o de fazer algo notável. Assim foram Ruy Barbosa, Santos Dumont, Chico Mendes, Sílvio Santos, Didí, Dedé, Mussum e Zacarias. Hoje qualquer um pode cair na graça de aparecer no Big Brother, passar-se por bom rapaz, ficar até o final do programa, ganhar um milhão, sair do programa, namorar a gostosona, romper com a gostosona e cair no ostracismo. Tudo isso tão rápido quanto essa frase. A mídia, que antes prestava ótimos serviços à comunicação, corre o risco de virar um trampolim para a auto-afirmação. Ser famoso é bom pro ego.
Mas o problema não acaba aí. Vivemos num mundo de cachorros com o rabo entre as pernas. Se você para uma pessoa na rua e dá um oi, ela vai achar muito estranho, passar de você e andar mais rápido do que andava antes. No ônibus, se você fala “licença” mais alto, todo mundo olha pra você com uma cara de “quem é esse louco?”. Todos têm medo de todo mundo e uma eventual socialização já é praticamente nula.
A moda tem transviado a juventude mais precocemente do que antes. Nos anos cinqüenta era necessário que a moça se casasse virgem; Nos setenta, se ela tivesse perdido a virgindade com o rapaz que iria se casar futuramente não era bom, mas era plausível. Hoje em dia o que é a virgindade? Menina beija a boca de outra menina, mas não por sentimento. É moda. Usam drogas compulsivamente, mas não pra sair da realidade que dói. Só é moda. Lêem filósofos do leste europeu, mas não pra atribuir à bagagem cultural ou adquirir conceitos. Moda. Essa brincadeira de ser diferente apenas generaliza os sujeitos. O diferente está virando o genérico e o bicho-grilo agora é hype.
Não temos uma literatura decente. Os romances policiais tomaram conta da mente dos escritores. Dá dinheiro. Na atualidade nada é feito de coração, por uma boa causa. Tudo envolve dinheiro. Liga-se pra dupla sertaneja famosa e pede pra tocar no “Criança Esperança” e os rapazes ainda tem o despautério de puxar assunto sobre o cachê. E a boa vontade que é boa foi deletada da sociedade assim como a virgindade. Nem o nosso futebol se salva. Mas se desse uma fazendinha, um milhãozinho pra cada jogador por peleja vestindo a canarinho o futebol-arte seria redescoberto. Uma das maiores controvérsias na minha concepção é o emblema do partido político do nosso atual presidente, uma estrela vermelha. Um partido com um logo tão forte, mas que nem com uma fazendinha ou um milhãozinho conseguem redescobrir a política-arte. Segundo o conceito que a estrela vermelha simboliza, todo o capital deveria ser estatal e se pensarmos assim é, de fato, o que acontece. O dinheiro é do Estado, do político. Mas em vez de parar no bolso da população ele para na roupa de baixo do alto escalão. Até rimou, assim como “político ladrão, porrada é a solução” rima também.
A música, coitada, mais uma banalizada. Antes esperávamos um, dois ou até três anos para ouvir o próximo álbum da banda favorita. Hoje o que nos separa desse novo álbum é um, dois ou até três cliques no mouse. Alguns músicos que fazem parte do seleto grupo que fazem por que amam vêem suas músicas serem jogadas dentro de um dispositivo com outras mil. Doloroso, mas compreensível. A vida anda muito fácil mesmo.
O próprio amor não fica de fora dessa praga. Tem gente que fala “eu te amo” pra um poste e é capaz que ele seja recíproco. Casamentos duram tempo suficiente para que se arrume toda a papelada do divórcio e a conversa habitual dos filhos é: “Mamãe vai separar.”, no que o outro responde incrédulo “De novo?”. O amor livre, saudoso nos anos setenta e oitenta hoje ficou distorcido. O que era coração de mãe, hoje é coração de jovem. O que por um lado não é um grande problema, já que o jovem tem mesmo é que se divertir. Mas creio que seremos uma geração de eternos jovens que cedo ou tarde acabarão com todos os valores que realmente faziam sentido. Participamos do mundo moderno e o mundo moderno é a antítese do mundo tradicional. Não existe mais tradição. Novos conceitos são inventados a cada minuto e o que hoje está na boca do povo, amanhã estava. A memória de um peixinho dourado é de um segundo e minha geração é um cardume de peixinhos dourados.
Mas entre mortos e feridos há ao menos a esperança. Temos Seu Jorge, Ana Carolina, Cachorro Grande, o Cinema Novíssimo Brasileiro, que apesar de ter se vendido é competente, essas mulherzinhas socialistas, que não vão fazer nada de diferente, mas já considero um caminho e até as novelas melhoraram. Antes existia um núcleo principal, do casalzinho apaixonado, que enfrentava todos os revezes até o último episódio, onde casavam e viviam felizes para sempre. O núcleo engraçadinho da periferia, que representava a ala do “gente-como-a-gente” na trama. E o núcleo do “só me ferro o tempo todo, mas isso um dia vai mudar”, que a denominação não exige explicações. No final os bonzinhos alcançavam a glória eterna e os vilões iam pro saco ou iriam suportar o “pão que o diabo amassou”. Hoje não. Todos interagem com todos e cada capítulo parece o último. Tudo escrito de forma inteligente e com um quê de série americana. Os autores ficaram mais autônomos e mais cheios de si. Sumiu a inibição da criatividade. Descobriram que o brasileiro não é burro.
O brasileiro é um desiludido que cansou de reclamar de tanta palhaçada. Somos todos cansados. Mas na verdade não existe luz no final do túnel, a luz percorre o túnel inteiro. Só precisamos achar o interruptor.
Obs: Gostei desse.