domingo, 23 de setembro de 2007

Atributos e Aptidões (ou "Trabalho de Português")

Para plena compreensão desse é necessária a leitura prévia do conto de Drummond de Andrade chamado "Miguel e seu furto" que está à página 101 da obra "Contos de Aprendiz", editora Record.

O conto narrado em terceira pessoa fala sobre a história de Miguel, rapaz de grandes talentos e atributos, mas sem nenhuma aptidão. Adorado pela família, tinha "tranquila identificação com o mundo" segundo o autor. Porém, não conseguindo nenhuma atividade lucrativa e sendo constatado pela família que carecia de aptidão, os comentários começaram a sumir até virarem uma mera consideração abstrata. Era sustentado por um tio contrabandista, um irmão jogador e pela simpatia coletiva. Mas os parentes perderam seus "negócios" e e "o dom da simpatia humana murchou um pouco pelo mundo".
Miguel estava sozinho e estava no mesmo caminho em que pessoas nervosas pensam no suicíduo até que lendo notícias em jornais numa banca teve uma brilhante idéia: Iria roubar o mar. Drummond, através de uma inigualável comparação justifica o "crime" de seu protagonista. Peço que o trecho à seguir seja lido com muita atenção para que "se pegue o espírito da coisa":

"Furtar é ato mental, como qualquer outro, em que a deliberação ou intenção prevalece sobre as medidas complementares de execução. O tesoureiro que furta de uma estrada de ferro não leva para casa trilhos e locomotivas, mas só uma sutileza socrática ou um materialismo rombudo, que afinal se equiparam, poderão sustentar que tais objetos não tenham sido furtados na essência, porquê o não foram na aparência."

Dada minha humana ignorância tive que ler esse trecho cerca de oito vezes até entender direitinho. Mas a sacada do Miguel era essa: "Furtar" é um ato completamente simbólico à partir da consideração sobre o item furtado. O mar não era de ninguém, logo, Miguel pegou o mar pra ele. Não era exatamente um crime, era um insight. Mas não quero falar sobre o insight agora.
Miguel que era um "Zé-Ninguém" da vida, tinha toda a extensão do mar só pra ele. Aquele bostinha agora mandava e desmandava em todo o oceano e logo implantou uma regra: Pessoas não podiam fazer excursóes turísticas em navios ou entrar no mar por lazer. Apenas embarcações comerciais poderiam trafegar mar-adentro. Miguel ganhava toneladas de dinheiro com seu novo negócio até que o imprevisível aconteceu. Uma criança de sete anos saiu desembestada de lugar álgum, correu em direção ao mar e lançou-se à água. Tal atitude foi olhada com perplexidade pelas pessoas que começaram a amontoar-se vendo a criança se esbaldar naquela grande propriedade particular de Miguel. Então outro moleque pulou também, e outro rapaz, e mais uma moça. Todos estavam novamente lá e os planos de Miguel foram interrompidos. Porém não saiu de mãos abanando. Já havia ganho muito dinheiro que daria para o resto de sua vida e passou a dedicá-la (por nostalgia) a uma coleção de conchinhas, hábito adquirido dos tempos em que o mar era seu.

Tá...o que Drummond quis passar além da idéia de ter uma "criação-original-divina" em suas próprias mãos?
Miguel poderia ser um rapaz sem aptidão alguma. Mas de maneira nenhuma era um sujeito genérico. Era dotado de pensamento ímpar que o levou à sua brilhante idéia de furtar o mar. Para pessoas como Miguel não é preciso caçar oportunidades por aí. Elas aparecem de uma vez embaralhadas e o sujeito monta a idéia revolucionária, o insight que eu deixei de falar dois parágrafos acima. "Foda-se a aptidão. Meu nome é "Idéia"" poderia ser o raciocínio de Miguel. Apesar de desacreditado, ele resolveu sua vida em bem menos tempo que teve sua credibilidade manchada por ser um cônviva de atributos e não de aptidões.
Mas logo constatou-se que isso era mais um fato que uma fofoca familiar, já que Miguel teve uma brilhante idéia que no fim não soube administrar. Azar o dele e sorte a nossa de ainda poder nadar por aí sem pagar qualquer taxa. Mas até quando?

FIM




Sonia, te amo!

4 comentários:

Carolina disse...

Perfeito! Se eu fosse a Sonia daria 10... hahahaha
Bjinhus para os dois!

Anônimo disse...

Isso me lembra do infame sistema mundial de patentes. Sério, mais alguém aí?

@ThayG12 disse...

E aqui estou eu cerca de cinco minutos boba com as palavras desse ser que a cada port mesmo que eu não comente fico assim tocada de uma maneira sem razão...

Affff.... Vamos por partes.

Com certeza eu teria entendido a proposta do trabalho mais rápido se tivesse lido este texto antes de fazer o meu. Coisas de Sonia...

Ai ai coisa mais complexa essa atividade e que forma mais excelente de executa-la...

Cada palavra escolhida a dedo...

Deve ser uma delicia pensar nestes termos.... Essa parte fica a parte...

Nem preciso comentar a vontade que fiquei de ler o conto... O farei logo menos.

Agora a parte mais relevante: Com certeza o insight que o nosso amigo teve foi um dos mais... Espertos?? Incríveis... ?? Inocentes... ??

Eh difícil descrever, arriscar a intenção... Mas uma coisa é certa. Quem não ia querer ter o mar pra si?

...


Acho que vou furtar o céu...

=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=

E enquanto o mar for mar e o céu for céu... Yan não pare de escrever...

@ThayG12 disse...

em vez de "port" era post...